in media res
perguntou, mãos repousadas nos meus ombros: que sentido você dá aos seus sentidos, se algum?
ao que defendi assim: me comove hospedá-los. mais um subterfúgio?
assentiu, e as mãos deslizaram ao pescoço.
pensei em ter, mais uma vez, falado indiretamente, tentado intimar. dentro da boca, quase na garganta, a nitidez do medo, a familiar antecipação. ainda coube, num segundo, a consideração de que talvez por sempre ter contemplado meus limites, tenha-se afigurado o entrever constante do que não cabe. enfim, disse: sustentá-los pelo verbo, dar-lhes estrutura. esse o sentido. a verbalidade latente, mesmo não engendrada. o que não é dito, é dito. o resto, da natureza de que não se pode nem mesmo não dizer, ou dizer.
mãos do pescoço aos joelhos, e de volta atrás da própria cabeça. me lançou olhos rapidamente, no que logo completou: mas você ainda contorna o contorno, ao achar que deve falar sobre o que move aquilo que te move. não é seu. o que é, enfim, seu?
cada pergunta, uma imagem do seguinte campo: muro, barragem, parede. me confundiram com santa, me pediram graças. ou me reconheceram no embaraço em que faço casa desde sempre. ou me reconheci. por que não poderia continuar respondendo com indícios? não era um caso psicológico. assim não resolveria.
ele sustentava o olhar, esperando. sua expressão solidamente decidida. como se quisesse (secretamente) me ajudar, doar precisão. com gentileza, pressionei seus ombros para que recostasse e, envolvendo-o, enunciei: você está sempre certo.