segunda-feira, 10 de agosto de 2009

saudade daquele radical ermo contemplativo da infância

que criança séria que eu era. mas ainda bem. por isso, olhava com força.
e assim até hoje guardo uns vislumbres de como era minha cidade naquela época. minha brasília tão aberta que causaria ansiedade nos mais citadinos.

sempre lamento pelos cantos toda mudança que o plano piloto sofreu. posso enumerar algumas pragas:

* os jardins à la teletubbies que proliferam em canteiros, balões e superquadras;
* as infames lajotas que deixam tudo com cara de banheiro do avesso e, como não bastasse, caem na cabeça das pessoas que ainda se atrevem a andar a pé pelas quadras;
* os prédios muito grandes na zona central, bloquando a vista dos monumentos do eixo que, afinal, chama-se monumental;
* as cercas em todo lugar, prisões disfarçadas: em volta de pilotis (crime! safadeza!) impedindo a livre circulação tão almejada por lucio costa, em volta de parquinhos infantis, de árvores etc;
* a proibição de uso do pilotis para qualquer coisa que não seja caminhar do estacionamento à portaria. crianças deveriam brincar nele, afinal;
* tamanhos inaceitáveis de letreiros, além do mau-gosto;
* falta de manutenção na torre e no parque da cidade, também em prédios sob responsabilidade do governo (federal ou distrital): os da unb, da escola de música, das escolas classe e parque, espaço cultural da 508 e por aí vai;
* quaisquer reformas nos prédios que tirem o caráter arquitetônico inicial. por que não apenas lixar e encerar o concreto, cuidar das pastilhas...? filisteus!

felizmente, para minha sanidade e conforto, a cidade e minha memória em conjunto conseguem produzir sensações que remetem ao passado saudoso. não são exclusivamente visuais, mas momentos sinestésicos, varrendo a abrangência de sentidos que um dia vivenciaram com incrível consciência as cores, relances, climas, razões, texturas e caminhos de brasília.

os gatilhos variam; tenho a impressão de que frequentemente são nuances de luz sobre prédios e árvores, sobre o lago. ou este céu inevitável, indefectível e maravilhoso. o concreto, algum vestígio de paisagismo setentista, um pouco de athos, marcílio, lelé, lucio. pau-ferro no eixão sul e os comparsas ipês e sibipirunas. algumas espatódias e callistemon, embora exóticas. pequenos trechos de curvas e jardins e até pedaços de asfalto sem novos desvios. praça portugal. praça do conjunto, um pouco. dependendo da hora do dia.

se no futuro esse meu contentamento com a miséria de lembranças que tenho acabar, ou se todo vestígio da minha brasília sumir, vou-me embora daqui, só não sei pra onde.

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