a terra azul da cor de seu vestido
ontem, voltando pra casa, vi lá no horizonte provavelmente o que vejo com frequência mas cometo não notar. um 'bosque' reflorestado, daqueles de pinheiros, homogêneos e escuros. quando eu era criança, chamava isso de beleléu. os primos viajávamos com os nicolaus e íamos no caminho nomeando algumas coisas e paisagens. as florestas de pinheiros são os beleléus, mas ainda havia outro tipo, o cafundéu, que era composto por outro tipo de árvore. não sei qual, mas também dessas que repovoam espaços por aí.
fiquei olhando pro beleléu, aquela coisa longe e compacta meio verde-azulada, escutando clube da esquina, pensando nas coisas melhores do mundo. mas dizer isso, pensando bem, é uma metonímia, ou pode ser. parece que é substituir a mente por mundo. enfim, o beleléu é uma dessas coisas melhores da minha cabeça-mundo, daquelas que não sei bem como transplantar pra outras cabeças. e não pude escrever, do beleléu, metaforicamente como costumo fazer aqui, em forma de cifras, talvez porque quisesse ser prosaica como essa lembrança. mas ainda tem mais. na hora, pensei em estar no alto, olhar pro longe, escutar música de altos e longes e ao mesmo tempo de chão e proximidade. que era bem aquele olhar pro beleléu. e quando era criança, "ir pro beleléu" queria dizer morrer, ou sumir. eu tinha muito medo da morte, sonhava até com ela, tinha insônia. mas o beleléu era, quando passava pelo nosso carro na estrada, uma figura sofisticada na mente-mundo-criança, uma morte bastante mais metafísica. tinha fascinação por me perder do espaço comum, transitar pelos submundos mentais que se afastavam proporcionalmente ao deslocamento do carro ou das horas da madrugada, das páginas dos meus livros de criança, todos os meus movimentos experimentais primeiros.
e agora? parece que todas essas impressões ficaram, duvidosas, numa espécie de sudário dessa mente que só meta-morre, que se vê, volta e meia, às voltas e retornos, saídas e bandeiras com gosto de sol azul escuro.