sexta-feira, 18 de junho de 2010

as minhas tarefas solitárias

eu sou solitária. e não da espécie parasita. de uma linhagem outra, da ordem dos acordados, filo sóficos de araque. já entendi tanta coisa, mas nunca entendi bem minha inteligência. sei que sou egocêntrica e tem gente burra que também o é. sei que já tive facilidade para aprender muitas e muitas coisas, mas abandonei as pontas soltas. abandonei as tarefas conjuntas e as motivações. agora empreendo solitariamente algumas antitarefas até que, quem sabe um dia, seja jubilada.
mas não, também o drama eu já quase abandonei. não quero ser jubilada, quero ser reintegrada isso sim. mas mantendo a solitude. os amores raros, os calores quem sabe guardados para as harmonias mais tortas e interessantes. modos, perdi. quero encontrar novos. nesse frio concreto realizar o pretenso vaticínio ali embaixo. a força é o arquétipo do meu nascimento; está suspensa aos pensares e falares, está acumulada do lado esquerdo, até comprimindo os sentires, procuro fogo para derretê-la e quero que ela se esparrame. hoje as minhas tarefas solitárias são pouco túrgidas, são passivas e recalcadas. procura-se um incêndio.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

and the love that i feel cause it's the time of the year

hoje estava voltando da escola de música e levei um susto quando me dei conta do tom de azul do céu sem nuvens contrastando com a terra vermelha ali no descampadão atrás do balaio, entre a 201 e o setor de autarquias norte. um susto que fez meu coração bater mais forte, apaixonado que é por esta cidade ou o que ela poderia ser. é aquela época do ano. minha favorita, melhor do que aniversário, natal e ano novo tudo junto. cheguei em casa, abri a janela e deixei entrar pela primeira vez desde que vim morar na 216 aquele ar fininho e com as bordas cortantes, friazinhas, que é o condutor da minha disposição entre os meses de abril, maio e o começo de junho. passa tão rápido. mas essa é a época mais propícia a revirar os restos, produzir composto, compor. é agora meu tempo de sacodir esse tapete da sala, levar pra limpar. pegar minha guitarra e tocar com um sorriso na cabeça. não perder as manhãs. reservar a tela do computador para os momentos como este e aqueles outros inevitáveis. tudo o que você podia ser: colocar num porta-retrato e olhar ao acordar. acordar. colocar os pés no chão para, quando subir, aproveitar melhor a vista. visitar as palavras dos outros. captar frequências. endireitar a coluna e se sentir sólida, com bondade. sorrir sozinha. todos os dias. secretamente dedicar coisas. até para a coriza indefectível dei boas-vindas, pois não se pode ignorar as coisas favoritas, não se pode esquecer de festejar os afetos, muito menos quando o movimento é de retirar aquele tampão no olho bom, coloquei no lugar errado, a cola secou. se for para arrancar de uma vez, a hora é esta. são muitas as promessas, por que não fazê-las? são muitos os possíveis escritos, as possíveis audições, possíveis passeios, as fotografias latentes, o coração já azeitado, os músculos esperando o tremor, minha mente cheia de sorrisos e minha boca, acabo de perceber, fazendo aquele jeito de patinho que acontece quando durmo ou quando me perco em tarefas maquinárias e passagens secretas. estou embarcando. a passagem é livre.

sábado, 30 de janeiro de 2010

desapego, com gostinho de apego

estava lendo uma resenha de um livro que tenta defender o amor contra o esquecimento e/ou a pasteurização que a autora alega que ele vem sofrendo. fiquei um pouco cética tanto sobre o livro quanto o artigo, pois ambos não delimitam muito bem que amor é esse. parece o tempo todo que o real assunto ali é paixão. enfim, a autora do tal livro quer defender que, sem o amor, a arte sai prejudicada. a autora do artigo diz que a vida como arte sai prejudicada sem o amor, o que já é um pouco mais interessante. mas, honestamente, acho que as duas parecem estar apenas querendo intelectualmente justificar uma vontade de sentir aquele amor que era propagado na literatura de antes e que agora caiu em desuso. de fato, parece que hoje em dia só quem escreve histórias de amor (seja com final feliz ou não) são roteiristas de filme ou autores de best-sellers sem qualidades artísticas. mas o caso, para mim, é que amar e experimentar amor não se relacionam dessa maneira fulcral com a inventividade, com produção artística. inclusive, retomando o que disse há pouco, confesso que pouco me senti inspirada por amor de fato (até mesmo porque pouco experimentei isso). quando era mais nova, por causa de uma paixão "daquelas", passei muito tempo dentro do quarto escrevinhando coisinhas adolescentes porém com pretensões estéticas que eram seríssimas na época, ainda que agora me causem profunda vergonha. depois disso, durante alguns momentos em que acreditei estar apaixonada, também me pus a desenhar ou escrever, a tentar em várias frentes usar como combustível aquela turgidez característica de paixonites. e isso se tornou menos literal gradualmente. o que era produzido não queria ser e nem era uma representação de um sentimento ou de situações envolvendo a vítima da paixonite, mas sim algo tematicamente diferente que usou o momentum daquela vivência para se desenvolver. no fim das contas, e isso já tem um tempo, percebi que o que parecia paixonite não era nem bem isso, era apenas projeção momentânea. depois daquele episódio na adolescência e mais um ou outro pontual nos anos seguintes, acredito não ter realmente me apaixonado, embora tenha produzido quantidade razoável de textinhos, manifestações visuais várias e até sonoras que se desenrolaram sob a sombra de musos diversos. é muito claro hoje que não foi a paixão e nem a grandeza do pobre muso que me alimentaram criativamente, mas sim um mecanismo bastante peculiar: pegar as características propícias da situação e do alvo e retirar o máximo daquilo. fazer tudo isso como se fosse mesmo paixão, mas sabendo que não era, ou que poderia deixar de ser a qualquer momento. sim, pois, para sustentar essa condição, é perigoso conhecer muito o objeto da pseudopaixão, é preciso sempre manter alguma distância. quando entra algo como o amor, não é nem possível falar em distância; não se ama sem proximidade (em sentido amplo). então volto a afirmar, com um pouco de pesar, de fato, que nunca senti esse impulso criativo por causa de amor. e, dadas as devidas ressalvas causadas por adolescência aguda, nem por causa de paixão. a vontade de criar chega em mim por meio de concessões, de malear pontos interessantes numa dinâmica entre dois, de testemunho da criatividade alheia (ouvindo música, por exemplo) ou, mais crucialmente, por contemplação de coisas sem autoria (naturais) ou de autor anônimo (criadas, porém identificadas ao acaso).
é claro que essa minha declaração não ataca o que preocupa a autora do livro, pois ela está preocupada com a grande arte, e deixei de ter sérias pretensões a ela (ou esperanças de alcançá-la); mas acho que meu alvo foi o problema da autora do artigo, que é preservar a vida como obra de arte. ao menos para mim, sentir esse impulso criativo, essa vontade deliberada de inventar (e às vezes a invenção não sai da cabeça, mas ainda assim está se manifestando para mim e de maneira frequentemente incomunicável) é parte imprescindível de considerar minha vida interessante o suficiente para que eu não queira sair no meio da história. mesmo com todos os percalços, alguns até bastante tinhosos. na obra de arte pessoal que desenvolvo, o que é mais importante do que me preocupar com amores e paixões é viver deliberadamente, graciosamente, inventivamente e intrepidamente (emprestando da autora número 1) seja lá qual for a fonte de disposição para isso.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

sináptica

hoje estou assim, quase, quase túrgida, como costumava dizer. não foi o suficiente fazer meu diário depoimento em outras paragens, por isso este regresso.
ainda não sei se mantenho esta arena das arengas ou se migro completamente para lá. mas não interessa.
o que esteve retumbando o dia todo foi o pensamento de que sempre busco o mais real do que o real. não é o caso de se iludir exatamente: não é um panteão ao qual professo fé eterna e que se abala com deslocamentos morais. não é esse tipo de escapismo. aliás, embora essa palavra seja bonita, detesto-a. escapar do que, problemas? agruras de trânsito, vaidades, dinheiros, merecimentos, prazos e dores? talvez. em parte. mas esse pacote sinistro não é a definição do real (se liga). não se busca deslumbramento para fugir somente, como se essa fosse a única razão pela qual se imagina qualquer coisa. até porque tenho a desconfiança de que o mais do que real não é só uma questão de imaginação. é quase um desenvolvimento de outros sentidos. ou somente tomada de conhecimento deles, momento a momento. o sentido da força: calibra pesos e velocidades. o sentido da permeabilidade: capaz de ser impresso por refrescâncias e outras temperaturas, ligado à maleabilidade. o sentido circadiano: registrando ritmos e pulsos incessantemente.
o que é, então, essa inconstância aparente, insaciabilidade, essa vontade tão voraz que receio até que irrite aos que a testemunham? sintomas de uma existência mais do que real. de constância na estimulação de sentidos. de constância, sim, nos impulsos exploratórios. de busca também de pontos de apoio mais do que reais, pontos de apoio não exatamente fixos mas que se movem de acordo. busca de cadência. uma tarefa solitária, em parte. mas inexorável.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

dores de crescimento

sou tão distraída hoje em dia. será que maturidade é, na verdade, concentração? às vezes digo umas coisas sem pé nem cabeça ou tenho opiniões equivocadas porque ignorei algumas variáveis importantes completamente, ou por ansiedade. ou será que inteligência é concentração? atenção é muito importante. perceptividade (pensei nisso no fim de semana). sou perceptiva para algumas coisas e outras me são quase invisíveis. na verdade, hoje acho que não percebo quase mais nada, vivo num equivalente menos infantil do mundo da lua. quando dizem que uma criança vive lá, é porque se esquece de escovar os dentes, tropeça nas coisas, não ouve o que a mãe diz. ou seja, ligo a expressão a essas reprimendas de adulto; umas razoáveis, outras não.
e hoje vivo no mundo w', digamos assim. é o mundo atual, com o mesmo repertório, porém a mobília está numa fase meio autista. analogias forçadinhas à parte, o irônico é que durante brincadeiras resgatadas da infância ou conversas sobre os modos da outrora escatológica pequena pessoa que fui me sinto menos distraída, menos nesse "mundo da lua" em que enfiam as crianças. elas estão ligadas, sim. muito enraizadas. lidam com as coisas assim que elas aparecem, mesmo que às vezes de maneira alegórica. nós adultos indulgentes sempre deixamos as coisas pra depois e lidamos com seus fantasmas. argh.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

voltou

não acho bobagem pensar que as coisas pedem um retorno. o fim da música é mais tranquilo quando volta para a tônica. pode ser bonito de outro jeito também. mas existe mesmo essa vontade de resolução pelo resgate.
a memória; nunca mais a subestimo. acho que mais de um ano se foi vivendo no presente. estou saboreando este momento de distorcer a conotação sempre positiva dessa expressão. viver no presente é a mentira mais idiota de que consigo me lembrar agora. parece tão infantil. sem a memória, como desfrutar de qualquer coisa? como sentir que se gosta de algo sem trazer um aprendizado dos sentidos?
recapitular e poder sorrir sozinha de conclusões e fazer ligações entre aquilo lá longe e essa coisa agora que poderia passar despercebida não fosse a memória.
engraçado, nunca gostei daquele quadro do dali, persistência da memória ou do tempo, ou o que o valha, mas bem, acho que tivemos um momento parecido.
sem ela, como eu iria olhar por esta janela aqui ao meu lado/minha frente e ter tanta riqueza de sensações e tanta profusão de palavras se acotovelando? não interessa agora se são bem encadeadas. nem escolhidas. sempre posso voltar e corrigir, se achar que devo. vou lembrar dos critérios, a partir deles talvez escolher novos. poderia descartar esta janela, desmerecer coisas e pessoas, a começar por mim. e é assim que as coisas se estavam encaminhando, de maneira sórdida e silenciosa ao mundo, incrivelmente alta à cabeça sempre quente, estragando travesseiros uma noite depois da outra, sem olhar lá pra fora, desperdiçando.
mas tem muito tempo ainda, e ele persiste. muito o que fazer.
e cada vez menos vergonhas. no plural, muitas e diferentes que eram.
depois de uma pausa, pensei agora que – de fato – vários posts aqui no blog de uma maneira ou de outra se relacionam à memória. e acredito (não fui verificar) que são positivos. aliás, francamente, essa é um característica que aprecio: escrever e se inspirar nos momentos bons. não necessariamente felizes, dá até preguiça de pensar o que é isso de fato, por isso digo "bons"; os momentos de descoberta (ou nada mais que resgate, ave sócrates), de retorno mesmo.
saturno, saturno. vou fingir que você é a lua só um pouquinho. pra poder olhar contemplando, um pouco teatral, algo como uma cerimônia, um ritual ingênuo, como os de adolescente.
mas no início, antes de largar este post, queria escrever um sobre a palavra 'yield'... acho que deu certo.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

ranting & raving

às vezes gosto de pensar que não sinto raiva facilmente. mas isso é auto-engano. exemplo: basta que alguém seja condescendente comigo ou outra mulher por causa da aparência ou de estereótipos para que me fervam os nervos.
não é engraçado: já duas vezes em matérias do mestrado os professores me olharam confusos no primeiro dia de aula e vieram perguntar se eu era aluna do mestrado em filosofia (leia-se: você está na sala certa?)... posso estar exagerando, mas uma pulga atrás da orelha direita me convenceu maliciosamente de que os professores em questão não só ficaram desconfiados pois suas classes eram masculinas demais para ter uma aluna como também pelo fato de que não sigo o estereótipo da mulher intelectual.
e como ele se caracteriza? bom, em linhas gerais, dá pra perceber que há um acordo tácito segundo o qual mulheres inteligentes não se preocupam com a aparência. daí deriva o resto: nada de maquiagem, nada de usar lentes (só óculos são dignos), nada de salto, nada de roupas e bolsas caras. para maiores angústias quanto à baixa cotação da moda no mundo intelectual, clique aqui.
o caso é que possivelmente fico muito incomodada também por já ter tido esse preconceito, em alguma medida. que vergonha.

por outro lado, tudo isso, raiva ou não, provocou um rearranjo na minha auto-imagem. o que, noves fora, significa mais ou menos o seguinte: faço mestrado em filô do mesmo jeito que o zé pratica canoagem ou a mariazinha processa dados: é um trabalho. tem técnica. tenho gosto por ele, mas não quero que me defina sozinho. tem outros aspectos da vida que considero e sinto que são tão relevantes quanto esse: afeto pela minha família e amigos, senso estético, paladar, senso de humor, impulsos, razões, estratégias... enfim. deu pra ter uma idéia, acho.

e o mesmo vale para outras pessoas.

e assim admiti que tenho um pouco de preguiça de intelectualidade segundo o grande livro dos estereótipos. e assim me desobriguei totalmente de cultivar certas coisas que não me instigam tanto assim mas que são consideradas obrigatórias pelos corredores da unb. e agora só preciso me convencer 100% de que estou certa, pois toda essa estória está me atrapalhando os estudos.