quinta-feira, 16 de agosto de 2007

pli selon pli

quando escrevia no linguado sobre o natural, quando escrevi aqui sobre pôr os pés no chão, não quis dizer que nunca nós humanos devíamos ter-nos afastado do selvagem.

primeiro: minha crença e, para todos os efeitos, religião (por que não?) reside na proposição de que nunca nos afastamos da natureza: estamos nela e somos ela também.

segundo: já dizia spencer brown que "o nosso conhecimento do Universo supõe ao mesmo tempo familiaridade e estranheza; ele supõe o nosso exílio".

até onde deve ir esse exílio, qual é o limite para que não haja desligamento total? bem, acredito em uma constante espiritual que determina iterações num espaço de fase que nada mais é do que a evolução da nossa consciência como um sistema. embaralhou? explico: tenho fé (sim, ) que um possível limite de afastamento está próximo, que será recuperado sentimento de pertencer ao meio; esse movimento de dobra em cima de outra dobra é o que prenunciam os novos paradigmas.

minha fé não aponta para uma força divina, mas um atrator estranho que engloba todo o aparente caos-acaso das relações entre os componentes desse sistema universo. quanto mais caminhamos para o desequilíbrio, mais emergem padrões que contêm o desenho da totalidade do mundo, mais abrigamos sinais de que nosso ambiente não é em volta, mas em tudo.

voltando às palavras e ao seu exercício: dobras que contêm as dobras do mundo, a meu ver. aplico aí minha parte da constante espiritual e tenho um senhor prazer nessa atração estranha.

domingo, 12 de agosto de 2007

autorigem

já tive muito o hábito de remeter minhas sensações a algo que não está presente. assim: via/ouvia alguma coisa que me fazia sentir algo que eu mesma relacionava a uma outra coisa, que seria a original. aquilo que despertou a sensação seria apenas um intermediário. a coisa original era sempre algo fora do meu alcance, e sentia que, se conseguisse alcançá-la, teria a mesma sensação, porém com mais legitimidade.

acho que existe uma tendência mesmo à representação, a colocar intermediários em percepções, sentimentos, sensações, etc.

pois já tem um tempo que quero fazer a experiência de legitimar o que sinto como sendo o "original". e sem especulações intelectuais sobre tal atitude ser a certa ou a melhor ou algo que o valha.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

grounding

o chão é composto por várias partes, nem todas embaixo dos pés. não possui a chanura aparente de pisos e tábuas corridas.
o chão que piso, aquele em que sinto meu pé pisar, está à beira do desequilíbrio. organiza-se, no entanto, dia após outro, sistemática porém não linearmente com seus canais de circulação, os muitos objetos e os verdes e vinhos, a mirada larga lá para fora. complexifica-se. as dobras da amoreira, da bananeira, o composto, o gramado, tudo isso é chão também. piso com pés, mãos, olhos, nariz. a estante quase invisível de tão presente. estas palavras sem o cuidado que merecem. querem comunicar o chão, mas não representar. ele se percorre todos os dias no fundo dos olhos, dos pés, das mãos e do nariz.
espero que ele se abra, que sofra uma cisma e que vire uma fenda e mil pedacinhos entre a solidez de paredes ainda fortes. e que a fenda, de maneira emergente, abrigue muitas pessoas e muitas coisas e os fragmentos sejam altamente digeríveis.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

palavras de silêncio

ontem, um dos interatores deste e do antigo blog me deixou um scrap com a seguinte mensagem:

Aliás, eu gostaria de dizer que apesar de não me identificar com esse aspecto, admiro profundamente tua necessidade (e disciplina) de exercício permanente e sistemático da língua, mesmo que sem nenhum propósito definido.


com a ajuda do glorioso wittgenstein, a quem fui recentemente apresentada, comecei a suspeitar qual seja o tal propósito. não o acho indefinido. o comentário de meu amigo foi completamente pertinente, mas a verdade é que, embora já tenha explicado tal propósito algumas vezes, lendo sobre o witt ele ficou bem mais claro. já havia resolução, porém pouca definição. agora, explico assim: o modo de funcionamento do mundo está impresso na linguagem, mas não é, acredito, expresso por ela. a prática da escritura é então, sublinhe-se (isto é importante!), pra mim, praticar vida, intra-agir com o mundo, malear o mundo.